A reação de fase aguda constitui-se em uma série de alterações fisiológicas e metabólicas que se iniciam imediatamente após uma injúria tecidual, que pode decorrer de uma infecção, reação alérgica ou imunológica, trauma mecânico ou térmico, neoplasia, isquemia ou procedimento cirúrgico. Entre as inúmeras manifestações sistêmicas desta reação de fase aguda está a alteração nas concentrações de várias proteínas plasmáticas, que são denominadas de “proteínas de fase aguda”.
Por definição proteínas de fase aguda seriam as proteínas de produção hepática que aumentam ou diminuem a sua concentração em pelo menos 25% nos primeiros 7 dias após o dano tecidual (Kusher, 1982). As proteínas que apresentam elevação de seus valores séricos, como a proteína C reativa, a substância amilóide A sérica, a haptoglobina e o fibrinogênio, são denominados de proteínas de fase aguda positivas; enquanto as que apresentam redução destes valores, como a albumina, a transferrina e a TTR (pré-albumina), são denominadas de proteínas de fase aguda negativas.
A produção destas proteínas esta sob a regulação de um grande número de citocinas (IL-6, IL-1, IL-11, TNFα, TGFβ, γ-interferon, Fator de Crescimento Epidermal, Fator Inibidor de Leucemia (LIF). A ocorrência de diferentes condições fisiopatológicas pode implicar em diferentes perfis de liberação de citocinas, com conseqüente diferentes padrões de elevação de proteínas de fase aguda. O reconhecimento destes diferentes padrões pode proporcionar aos clínicos uma importante ferramenta para auxiliar o diagnóstico e o acompanhamento das enfermidades inflamatórias.
As dosagens séricas destas proteínas de fase aguda, denominadas também de “provas de atividade inflamatória”, têm sido empregadas amplamente para o diagnóstico e acompanhamento de condições clínicas inflamatórias, como infecções e doenças auto-imunes. Esta utilização foi incrementada nas últimas décadas com a evolução metodológica das dosagens das proteínas séricas. Hoje métodos quantitativos, como a nefelometria e a turbidimetria, têm substituído, nos laboratórios de médio porte, as técnicas de aglutinação, que mostravam resultados qualitativos ou semi-quantitativos, com um ganho significativo na sensibilidade.
Classicamente as proteínas de fase aguda, ou “provas de atividade inflamatória”, têm sido utilizadas com as seguintes finalidades:
a) Discriminar entre enfermidades inflamatórias e não inflamatórias.
b) Discriminar condições clínicas de natureza inflamatória que costumam apresentar distintos perfis de alterações de provas de fase aguda, e cuja distinção clínica comumente não é fácil: Infecção viral x infecção bacteriana; infecção x atividade de doença auto-imune; infecção x rejeição de transplante.
c) Avaliar a extensão e atividade de inflamação e monitorizar o curso da doença e a resposta a intervenções terapêuticas.
Além destas finalidades clássicas nas últimas décadas, com a disponibilidade de técnicas mais sensíveis e o reconhecimento do papel fisiopatogênico do processo inflamatório em algumas outras condições, estas proteínas de fase aguda tem sido utilizada com outras finalidades como na avaliação de risco cardiovascular e no diagnóstico precoce de disfunção renal, que serão discutidas separadamente.
Para avaliação das doenças infecciosas e inflamatórias as provas de atividade inflamatórias de maiores relevância clínica são: a velocidade de hemossedimentação (VHS); a proteína C reativa (PCR); a µ1 glicoproteína ácida (mucoproteínas); a substância amilóide A e a procalcitonina (PCT).
A VHS não representa a dosagem de uma substância específica. Ela é o resultado das alterações nas concentrações de várias proteínas plasmáticas, que devido a sua assimetria interferem na constante dielétrica do plasma, dissipando as cargas das superfícies das hemácias, favorecendo a formação de “rouleaux” destas células e aumentando a sua velocidade de sedimentação. A proteína mais importante neste processo é o fibrinogênio, uma proteína de fase aguda, cuja concentração aumenta em até 2 a 4 vezes nos processos inflamatórios agudos. As imunoglobulinas são outras proteínas que interferem neste fenômeno, tendo importância nos processos inflamatórios crônicos.
Por ser uma medida indireta de proteínas de fase aguda, a determinação da VHS apresenta muitos interferentes: outras proteínas e substâncias não relacionadas à inflamação; o tamanho, número e forma das hemácias por exemplo. Outro problema está nas características das próprias proteínas de fase aguda responsáveis pelo fenômeno. O fato de terem uma meia vida relativamente longa (7 dias para o fibrinogênio e maior ainda para as imunoglobulinas), e de serem proteínas capazes de serem “consumidas” durante o processo patológico, afasta este método do conceito de “prova de atividade inflamatória ideal” e o torna pouco útil para o acompanhamento de enfermidades agudas, como sepsis, pneumonia ou meningite bacteriana.
No entanto, apesar disto, a simplicidade e o baixo custo garantem uma posição de destaque do método, que é atualmente o exame mais utilizado como indicador de doenças orgânicas e na monitorização de processos inflamatórios.
Nas doenças inflamatórias subagudas e crônicas, a VHS tem sido amplamente utilizada para a avaliação da atividade da doença com o tempo, em enfermidades como Febre Reumática, Artrite Reumatóide, e algumas síndromes vasculíticas (Arterite de Takayasu), embora sua validade tenha sido questionada como marcador de atividade de algumas outras doenças auto-imunes como o Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) ou nas espondiloartropatias soronegativas. No caso específico do acompanhamento de doenças infecciosas crônicas ou subagudas, como na osteomielite e na tuberculose, é o marcador preferido para avaliação da resposta terapêutica e como critério de cura.
A PCR é uma proteína de 115 kD, composta por 5 subunidades idênticas (pentâmero). É um constituinte normal do soro humano, onde em condições normais, mantém concentrações inferiores a 1 mg/dL. Na vigência de um estímulo inflamatório apresenta uma rápida elevação dos seus níveis, já observados a partir de 6 horas, atingindo um pico após 50 horas, que pode chegar a 1000 vezes os valores basais. A meia vida é curta (5 a 7 horas), o que o faz aproximar-se do conceito de uma prova de fase aguda “ideal”, e o torna muito atraente para o acompanhamento de processos inflamatórios agudos.
Pelo fato de apresentar elevações mais significativas nas infecções bacterianas (atingindo comumente valores superiores a 40 mg/dL) do que nas infecções virais, este método tem sido amplamente utilizado na prática clínica com a finalidade de decidir-se sobre o início de uma antibioticoterapia em um quadro infeccioso ainda com sua natureza (se bacteriana ou viral) ainda não totalmente esclarecida. A literatura mostra inúmeros estudos da utilização da dosagem da PCR por métodos quantitativos na distinção de meningite bacteriana x meningite viral, pneumonia bacteriana x pneumonias virais e artrite séptica x artrite reativa, com resultados que confirmam a sua eficácia. A PCR é considerada também um bom indicador de infecção bacteriana em pacientes de risco nos quais a avaliação clínica de uma infecção é difícil de ser feita, como em recém nascidos e pacientes com LES em atividade, entre outros.
Nos pós-operatórios a persistência de níveis elevados de PCR ou a sua elevação secundária pode ser um indicador de complicações. Na clínica obstétrica a presença de níveis elevados de PCR em uma rotura de membrana amniótica sugere infecção incipiente e constitui-se em indicação de antibióticoterapia.
A α1 glicoproteína ácida (orosomucóide) é a principal constituinte do grupo das mucoproteínas (seromucoides). Ela possui um perfil cinético intermediário entre o fibrinogênio e a PCR, apresentando um aumento de 2 a 4 vezes os seus níveis séricos na vigência de um estímulo inflamatório, e com meia vida de cerca de 24 horas. A dosagem da α1 glicoproteína é utilizada principalmente no diagnóstico e acompanhamento clínico de doenças inflamatórias, como Febre Reumática (onde para alguns autores seria o melhor marcador para acompanhar a atividade de uma cardite), AR, espondiloartropatias, LES, Polimiosite/Dermatomiosite. Apesar de seu uso ser ainda bastante difundido em nosso meio, praticamente deixou de ser citada pela literatura inglesa a partir da década de 1960.
A amilóide A sérica como proteína de fase aguda apresenta características muito semelhantes ao da PCR: baixos níveis basais, rápida resposta, grande elevação (até 1000 vezes), meia-vida curta.
Alguns trabalhos com este marcador mostram até que o mesmo apresenta uma sensibilidade melhor do que o do PCR em algumas situações como indicador de infecção bacteriana pulmonar; na detecção de infecção oportunista (P. carinni) em pacientes com SIDA e na detecção de rejeição de transplante; no entanto o custo elevado de sua dosagem em nosso meio tem restringido a sua utilização.
A PCT é um pro-hormônio da calcitonina, produzido no fígado e em monócitos. Após a injúria tecidual apresenta uma rápida elevação (início com 3 a 4 horas), atingindo um plateau após 24 horas. Em indivíduos normais é encontrado em níveis baixos (< 0,1 ng/ml). Em infecções virais apresenta pequenas elevações geralmente em torno de 1,5 ng/ml. No entanto em infecções bacterianas invasivas pode atingir valores até superiores a 1000 ng/ml. Esta disparidade tem levado alguns autores a considerar esta proteína de fase aguda um “marcador ideal” para sepsis bacteriana. Vários estudos, realizado principalmente em países europeus, têm evidenciado a utilidade deste marcador para a distinção entre infecções bacterianas e virais em serviços de pronto-atendimento e como marcador de prognóstico em quadros septicêmicos. No entanto o seu alto custo tem limitado o seu uso em nosso meio.
O reconhecimento de que a aterosclerose é uma doença inflamatória crônica e de que o risco cardiovascular está muito relacionado com a estabilidade da placa aterosclerótica, fez com que pesquisadores procurassem entre as proteínas de fase aguda marcadores que demonstrassem o aumento da atividade inflamatória nas placas aterosclerótica que caracteriza uma placa instável. A utilização de métodos mais sensíveis para a detecção de proteína C reativa permitiu a detecção de pequenas elevações nos níveis séricos, em valores inferiores aos valores considerados relevantes para a avaliação de doenças inflamatórias sistêmicas (0,5 – 1 mg/dL).
Vários estudos realizados nesta última década testando a PCR de alta sensibilidade como marcador de risco para futuros eventos cardiovasculares em populações sem doença clínica demonstraram que os pacientes que se encontravam no quartil superior dos níveis de PCR apresentavam um risco relativo de evento futuro cardiovascular entre 2 a 4,5 vezes superiores quando comparado aos que se encontravam no quartil inferior.
Em 2003 a AHA e o CDC norte-americanos estabeleceram suas diretrizes para a aplicação clínica e de saúde pública dos marcadores de inflamação para a avaliação da estabilidade de placa. Estas diretrizes estabeleceram que a PCR de alta sensibilidade é o teste de escolha, devendo-se fazer a média de 2 dosagens de PCR separados por 2 semanas. Previamente deve ser feita uma avaliação dos fatores de risco tradicional e realizado o cálculo deste risco, e apenas aqueles indivíduos classificados como de fator de risco intermediário devem ser testados. Para estas diretrizes valores de PCR < que 0,1 mg/dL indicam baixo risco, valores entre 0,1 e 0,3, risco intermediário, e valores maiores que 0,3 alto risco de eventos cardiovasculares.
Estudos recentes mostram que uma proteína de fase aguda da superfamília das lipocalinas, denominada NGAL (neutrophil gelatinase-associated lipocalin), pode se constituir em um promissor marcador precoce de Insuficiência Renal Aguda (IRA). Esta proteína, de 25 kDa ligada covalentemente a uma gelatinase em neutrófilos, e expressa em baixas concentrações em indivíduos normais em rins, traquéia, pulmões, estomago e colo. Evidências clínicas e experimentais mostram que em fases precoces da IRA de diferentes etiologias ocorre um aumento na produção desta substância nos rins como também em outros órgãos. O aumento da expressão desta proteína na urina e no plasma pode ser detectado 24 a 48 horas antes das alterações nos níveis séricos de creatinina. Estes achados motivaram a realização de diversos estudos clínicos para determinar o papel do NGAL como biomarcador de IRA em diferentes condições. Nestes estudos os níveis de NGAL tanto na urina, como no plasma se mostraram como marcadores preditivos precoces promissores de IRA em diferentes condições: transplante renal, bypass cardiopulmonar, síndrome hemolítico-urêmica e nefrite lúpica.
Antonio Sergio Fonseca – Medico reumatologista infantil . responsável pelo setor de Autoimunidade