A vitamina D é considerada um pré-hormônio e apresenta papel crucial na homeostase do cálcio e, consequentemente, na saúde óssea. A maior fonte de vitamina D é a pele, em resposta à luz solar. Apenas pequenas quantidades desta vitamina são encontradas em alguns alimentos (especialmente peixes gordurosos), o que faz com que a disponibilidade da vitamina D na dieta seja limitada. Estudos populacionais brasileiros demonstram que a prevalência da hipovitaminose D no nosso país é elevada. A vitamina D sintetizada na pele ou ingerida é carreada na circulação por uma proteína específica (VDBP – vitamin D binding protein) e metabolizada primeiro no fígado e depois no rim, onde sofre a primeira e a segunda hidroxilação, respectivamente. Esta fisiologia apresenta uma regulação estreita com a presença de mecanismos de compensação, a fim de evitar níveis altos que predisponham à toxicidade. A deficiência de vitamina D apresenta consequências clínicas importantes no tecido ósseo e muscular, predispondo a doenças como osteoporose e osteomalácia, além de aumentar o risco de quedas e fraturas. Dados de estudos sobre níveis de vitamina D em diferentes regiões do mundo confirmam a alta prevalência de hipovitaminose D, associada principalmente com a idade acima de 60 anos, maior latitude, inverno, maior pigmentação da pele, menor exposição solar, presença de doenças crônicas, hábitos alimentares, gestação, lactação e ausência de alimentos fortificados com vitamina D.
No Brasil, a hipovitaminose D foi documentada em várias regiões do país, o que justifica uma análise crítica de seus critério diagnósticos. Para isto, tanto uma indicação correta da solicitação do exame, quanto o processamento adequado da amostra associado a uma interpretação/avaliação crítica dos resultados são essenciais para que se indique um tratamento eficaz baseado nas evidências científicas atuais. A determinação laboratorial do metabólito 25 hidroxivitamina D [25(OH)D] deve ser utilizada na avaliação do status de vitamina D de um indivíduo. Partindo do princípio que a hipovitaminose D é muito prevalente em nosso país e tem uma importância clínica significativa, este posicionamento tem como objetivo discutir e sugerir uma melhor prática na solicitação e interpretação dos resultados bem como a definição de valores de referência da 25(OH)D, de acordo com a faixa etária e da presença ou não de doenças crônicas. Este documento é representado por uma comissão composta por especialistas do Departamento de Metabolismo Ósseo da SBEM e da SBPC/ML para o desenvolvimento de recomendações baseadas na evidência científica disponível da literatura atual sobre a vitamina D.
* Situações em que a dosagem está indicada mas não existem evidências para a manutenção de valores acima de 30 ng/ml
As ações mais conhecidas e estudadas da vitamina D estão relacionadas ao metabolismo ósseo, onde seu papel é crucial. Ela participa da absorção intestinal do cálcio, modulação da secreção de PTH, função das células ósseas e função muscular. A hipovitaminose D leva à deficiência na absorção do cálcio e, com isto, a um quadro de hiperparatiroidismo secundário, o qual, por sua vez, pode levar à perda de massa óssea pelo aumento da reabsorção e, consequentemente, a fraturas. Em situações onde o nível da vitamina D é extremamente baixo [25(OH)D < 10 ng/mL], pode ocorrer um defeito de mineralização do tecido ósseo, caracterizando as doenças, raquitismo na criança e a osteomalácia nos adultos. Dor óssea, fraqueza muscular, deformidades ósseas e fraturas são características clínicas desta deficiência grave de vitamina D.A existência de efeitos extraesqueléticos da Vitamina D ainda está sob investigação. Metaanálises com estudos de intervenção sugerem que a correção da deficiência reduz mortalidade geral e que a suplementação possivelmente tenha um papel protetor contra o câncer, especialmente de intestino grosso. Entretanto, estudos de intervenção randomizados e controlados por placebo são escassos e ainda incapazes de demonstrar evidências sobre muitos outros efeitos que vêm sendo descritos em outros sistemas. Portanto, a suplementação visando estes outros efeitos ainda não se justifica.
Os principais métodos para mensuração da 25(OH)D são:
O Laboratório Clínico é responsável pelo reporte desses intervalos de referência nos laudos emitidos, devendo se basear em dados atualizados da literatura, diretrizes de sociedades médicas e opiniões do corpo clínico. Existem diferentes formas para definição dos intervalos de referência. Para a 25(OH)D, a avaliação de estudos clínicos da literatura é, no momento, a melhor forma de definir os intervalos de referência, pois esses trabalhos tentam investigar os benefícios da manutenção de determinados valores em populações específicas.
Entretanto, a maioria desses estudos utilizou no passado o radioimunoensaio Diasorin® para dosar a 25(OH)D, ao passo que, no presente momento, a grande parte dos laboratórios clínicos emprega ensaios automatizados não isotópicos para essa análise.
Como a correlação entre esses métodos não é tão direta, valores obtidos com o radioimunoensaio podem não ser transponíveis aos ensaios mais utilizados atualmente. Para sugerir intervalos de referência aplicáveis a todos os laboratórios, os métodos precisariam ser mais comparáveis. Entretanto, como descrito acima para a mensuração da vitamina D, ainda existe uma variação considerável entre os diferentes métodos disponíveis, gerando um fator complicador a mais para a definição e interpretação desses intervalos.
Apesar dessa variação ter sido reduzida nos últimos anos pelos programas de padronização citados previamente, persiste ainda o problema do efeito matriz, ou seja, a interferência provocada por componentes endógenos inespecíficos, que variam de amostra a amostra e podem interagir com reagentes de imunoensaios específicos.
Esse efeito pode ocasionar alterações imprevisíveis nos resultados, dificilmente corrigidas pela simples padronização dos calibradores dos ensaios. Por esse motivo, alguns especialistas como Binkley e Carter sugerem que talvez os laboratórios devessem aplicar intervalos de referência específicos dependendo do imunoensaio utilizado, a exemplo do que é feito com outros hormônios, ou empregar métodos cromatográficos, pela redução do efeito matriz.
Baseado em dados da literatura, o nosso posicionamento em relação aos valores ideais da 25(OH)D para a população deverá ser estratificado de acordo com a idade e as características clínicas individuais.
Este posicionamento permitirá uma maior padronização e divulgação para laboratórios e médicos dos intervalos de referência da 25(OH)D sugeridos pelas Sociedades Médicas (SBPC/ML e SBEM) diretamente envolvidas com o uxo de solicitação, processamento, liberação e interpretação dos resultados deste analito.
O ritmo das publicações científicas é bastante dinâmico e, caso surjam novas evidências, as Sociedades realizarão as atualizações necessárias.
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